Não sou cidadão do
Planeta Terra. Entrei em sua órbita casualmente, quando minha espaçonave
apresentou problemas em seu sistema de refrigeração e tive de fazer um pouso de
emergência na superfície terrestre.
O lugar onde pousei era uma bela e vasta campina verde parte
de uma propriedade sob a administração de um terráqueo humano chamado Geraldo.
Ele e sua esposa, Francisca, foram muito atenciosos para comigo, me receberam
muito bem e trataram logo de providenciar todo o necessário para que minha
estadia na Terra fosse a mais confortável possível e que eu resolvesse logo meu
problema e pudesse continuar viagem.
Levou alguns dias até que conseguíssemos consertar a
aeronave. Eu dependia exclusivamente das ferramentas e recursos dos terráqueos
humanos para fazer os reparos, pois meus equipamentos e sistema de comunicação
intergalático foram todos desestabilizados ao entrarem em contato com o campo
magnético terrestre, por isso não era possível comunicar-me com minha torre de
controle em meu planeta e pedir que eles operassem algo para conserto da
aeronave.
Se, por um lado eu estava ansioso para seguir viagem e
ficava impaciente com a vagarosidade dos humanos em fazer um reparo que não
levaria menos de uns segundos em meu planeta, por outro, tive a oportunidade de
conhecer melhor a vida na Terra e aprender muito com os costumes de seus
habitantes, principalmente os humanos.
O Planeta Terra possui regiões de rara e sublime beleza
natural, com uma enorme diversidade de seres vivos, recursos orgânicos e
minerais. Contudo, notei algo diferente no que diz respeito às relações entre
os organismos vivos. Parasitas e
predadores são exclusivos desse lugar. Nunca os vi em meu planeta ou em nenhum
outro por onde andei. Tudo me leva a crer que aconteceu algo muito estranho no
Planeta Terra.
Vi também árvores e mais árvores sendo derrubadas para dar
lugar a edificações gigantescas. Nessas derrubadas vi muitos animais perderem a
vida, muitos ninhos de pássaros serem destruídos e muitos outros seres vivos
obrigados a mudar de residência, ou seja, encontrar outras árvores, outros
solos para viver. Fiquei surpreso que ninguém dissesse nada, todos encaravam
isso com muita naturalidade, inclusive o Sr. Geraldo e sua esposa Francisca.
Se é tão necessário, assim, derrubar árvores para construir
prédios, por que, então, os responsáveis pela obra não fazem primeiro um plano
de deslocamento para os moradores do terreno, como as aves, saguis, macacos,
insetos, répteis, etc., para que essa intervenção humana seja a menos
traumática possível para eles? questionei. Afinal de contas, os animais estavam
morando naquele terreno antes daquelas pessoas que se dizem proprietárias, por
que não pensaram neles?
Minhas ponderações a respeito desse assunto provocaram
várias gargalhadas no Sr. Geraldo e nos outros que nos acompanhavam e eu fiquei
muito mais confuso, entendendo menos ainda esses terráqueos humanos.
Outra coisa muito estranha que só encontrei aqui na Terra é
uma invenção humana chamada Lixo. Os terráqueos humanos têm depósitos por toda
parte para o tal do Lixo e até caminhões para transportá-lo. Perguntei do que
se tratava e o Sr. Geraldo me explicou que Lixo é algo imprestável, que não serve
mais para nada e, portanto, deve ser jogado fora, ou seja, as pessoas se livram
dele.
Mas por que vocês fabricam coisas que com o passar do tempo ficam
imprestáveis? indaguei. O Sr. Geraldo
sorriu, tentou explicar os motivos, mas eu continuei sem entender a necessidade
de se produzir algo que depois se torna imprestável. Em meu planeta, e nos
outros que eu conheço, tudo que fabricamos e utilizamos é reaproveitado, nada
se estraga, é desperdiçado e muito menos fica estocado em depósitos,
contaminando o meio ambiente.
Devo relatar, porém, que uma de minhas maiores surpresas
aconteceu na hora da refeição em casa do Sr. Geraldo. Sua esposa era uma boa
cozinheira, cuja fama corria por toda a região e eu estava ansioso para
experimentar o alimento preparado por ela.
A Sra. Francisca era muito simpática e gentil. Eu podia
perceber claramente que ela estava se esforçando para fazer o melhor, em sua
condição de terráquea humana. Então chegou a hora do almoço e a família do Sr.
Geraldo estava toda reunida na ampla cozinha, ao redor de uma mesa espaçosa e bem
decorada. Sob o fogão havia uma enorme panela com um material de cor vermelho
amarronzada que a Sra. Francisca revolvia com satisfação. Os filhos e netos
chegavam perto do fogão e aspiravam o aroma que se desprendia daquele material,
o que lhes parecia muito agradável.
Qual não foi minha surpresa ao descobrir que aquela panela
estava cheia de pedaços de cadáver, acrescidos de molhos e temperos que a dona
Francisca continuava revolvendo com satisfação. Mas o que ela pretendia com
aquele conteúdo? Por que trazer partes de corpos de animais mortos para a
cozinha na hora da refeição? Seria esse um costume de todos os humanos
terráqueos? Qual a utilidade dessa prática?
Mas a maior surpresa ainda estava por vir, quando constatei
que todos ali, até as crianças, colocaram aqueles pedaços de cadáveres em seus
pratos, levaram-nos à boca com um instrumento que eles chamam de garfo e
começaram a degustá-los, sorrindo e se deleitando com seu sabor.
Outra coisa quem me chamou muito a atenção foram as
ferramentas e equipamentos que os humanos utilizam, bem como seus meios de
transportes. São tão excêntricos e esquisitos, que não sei nem a que posso
compará-los, pois nunca vi nada igual. Tudo o que sei é que eles são muito
ineficientes e rudimentares.
Os humanos gastam demais, poluem demais e produzem cada vez
menos benefícios e mais depredação. As formas de energia que eles utilizam me
deixam perplexo. Como é que eles têm um astro tão maravilhoso como o Sol, que
produz uma quantidade de energia imensa e que está disponível a todos
gratuitamente, mas que é minimamente aproveitada? Eles desprezam a energia do
Sol e em seu lugar optam por derivados do petróleo, algo que representa a
morte, a tragédia, a degradação, ou buscam produzir energia por seus próprios
méritos e esforços, construindo hidrelétricas, termelétricas, produzindo
álcool, baterias eletrônicas...
Por que os terráqueos humanos são assim? Por que eles se
comportam de modo tão diferente de todos os outros gestores planetários que eu
já conheci? Afinal, o que aconteceu com o Planeta Terra?
Bem, vou finalizando esse relato por aqui. Teria muito mais
a dizer e muitas outras páginas poderiam ser escritas, mas penso que já relatei
o necessário.
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