Ah! Natureza,
tão bela e tão terna, e, por vezes, tão cruel e implacável! Em algumas ocasiões
fico só, extasiada, contemplando-te, em outras, sinto-me compelida a interferir
em teus rumos.
Foi o que
aconteceu, um par de horas mais tarde, quando vi Bruce Tigrinho, o filho
primogênito da Princesa, passar por mim correndo, com uma lagartixa na boca.
Esse felino,
acreditem, tem uma beleza singular e atraentemente sedutora. Quando aparece na
frente de casa, todos os humanos que transitam pela rua param para admirá-lo.
Se apenas com
seu porte, sua presença, ele já arranca suspiros dos humanos, imaginem o que
acontece quando ele abre a boca e fala (em linguagem de gato, é óbvio), ao
mesmo tempo em que faz uso do poder de comunicação de seus lindos olhos
verdes, tão profundos e expressivos!
Quando Tigrinho
olha bem nos olhos das pessoas e mia, ele as seduz de tal modo, que conquista
rapidamente, e sem muito esforço, um amplo espaço no coração delas.
Alguns humanos,
por outro lado, são meio difíceis de conquistar, mas os gatos são pacientes. Sem
que o humano perceba, eles vão, pouco a pouco, derrubando preconceitos,
demolindo barreiras, anulando paradigmas e, quando chega um belo dia, aquele
humano difícil se transforma em uma criatura totalmente apaixonada e disposta a
ceder e satisfazer as vontades felinas. Uma dessas histórias, de como gatos
conquistam corações humanos, aparentemente inacessíveis, vou contar em meu livro
“O Tigre e as Princesas”. Aguardem!
Voltando ao
ponto em que parei quando comecei a descrever a beleza tigrada e seus poderes
de seduzir humanos, eu mencionava que vi Bruce Tigrinho passar correndo com uma
lagartixa na boca. Não pensei duas vezes e, de imediato, tomei a decisão de
interferir na ordem natural das coisas, usando meus poderes e habilidades
humanas.
Tentar tirar a
lagartixa da boca do Tigrinho, nem pensar, pois assim ela seria morta e eu
ganharia uma boa mordida e muitos arranhões.
Fui atrás dele e
fiquei esperando o momento certo de agir. Não demorou muito e o felino soltou a
lagartixa, que permaneceu imóvel, fingindo-se de morta, como diriam alguns.
O que devia
acontecer em seguida era o Tigrinho também fingir que não estava nem aí para
sua presa, ficar imóvel, a lagartixa tentar correr para escapar, ele capturá-la,
para depois soltá-la, logo em seguida, e ficar nesse agarra e solta até que o
pobre réptil, teria vasos sanguíneos perfurados, hemorragias internas, edemas,
perfuração de órgãos vitais e, finalmente, viria a óbito.
Mas eu estava
decidida a não permitir que tais acontecimentos tivessem lugar .
Foi então que
interferi na ordem natural das coisas. Agarrei Tigrinho e coloquei-o dentro de
casa, trancando a porta. Em seguida, peguei a lagartixa, que ainda continuava
imóvel, em estado de torpor. Ao tomá-la em minha mão, o modo como aqueles
dedinhos deslizaram e acabaram por fixar-se em minha pele, proporcionaram uma
agradável sensação para a área somestésica de meu cérebro.Minha ação foi bem oportuna, pois, logo em seguida, chegaram as irmãs do Tigrinho, caçadoras igualmente implacáveis. Elas tiveram o mesmo destino do irmão.
Deixando os três
felinos trancados em casa e, ao som de miados de protesto, desci as escadas com
a lagartixa em minha mão e coloquei-a de volta no mesmo local em que ela se
encontrava antes de ser capturada.
Ao retornar,
sentei-me à mesa e passei a ter momentos de leitura, sob o olhar fulminante e
reprovador do Tigrinho. Depois, tomando-o no colo, eu acariciei-o e
expliquei-lhe que ele não precisava de lagartixas para sobreviver.Terminei prometendo a mim mesma comprar um brinquedo para Tigrinho, um rato artificial, que se mova pela casa, ou algo assim.
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